Uma manhã azul sem nuvens, quatro aviões comerciais, 19 terroristas, quase 3 mil mortos e um país em choque ao vivo pela TV. O 11 de setembro de 2001 virou divisor de águas na política externa dos EUA, na segurança aérea e no cotidiano de milhões de pessoas. Para entender como tudo aconteceu — e por que o mundo mudou depois — vale juntar as peças: a gênese do plano, a sequência exata dos ataques e o rastro de decisões que veio na esteira daquela terça-feira.
Os atentados não brotaram do nada. Foram o ponto mais visível de uma estratégia da Al-Qaeda, liderada por Osama bin Laden, que já havia atacado alvos americanos: as embaixadas no Quênia e na Tanzânia em 1998 e o destróier USS Cole no Iêmen em 2000. A célula de Hamburgo, na Alemanha, formou o núcleo do grupo que viria a treinar em escolas de aviação nos EUA. Enquanto isso, vulnerabilidades se acumulavam: portas de cockpit não reforçadas, protocolos que recomendavam obedecer a sequestradores para preservar vidas e uma cadeia de inteligência fragmentada, que falhou em conectar alertas dispersos.
Em 6 de agosto de 2001, um briefing entregue ao presidente George W. Bush, depois divulgado, trazia o título que hoje parece gritante: “Bin Laden determinado a atacar dentro dos Estados Unidos”. O documento citava intenção de sequestrar aviões. Menos de cinco semanas depois, a ameaça virou realidade.
A manhã do ataque avança em cortes secos, cada um pior que o anterior. A coordenação entre os sequestradores foi milimétrica e pegou em cheio um sistema que não estava preparado para múltiplos sequestros simultâneos.
8h14 — O voo American Airlines 11 (Boeing 767), de Boston para Los Angeles, para de responder e muda de rota. A bordo, cinco sequestradores liderados por Mohamed Atta dominam o cockpit.
8h19 — A comissária Betty Ong consegue informar, por telefone, que há um sequestro no AA11, com esfaqueamentos na cabine. É um dos primeiros relatos internos a vazar para operações da companhia e para a FAA.
8h37 — Controladores em Boston alertam o setor de defesa aérea do Nordeste (NEADS/NORAD) após captar uma transmissão de Atta no rádio. Caças são colocados em prontidão.
8h42 — O United Airlines 93 (Boeing 757), de Newark para San Francisco, decola com atraso por causa do tráfego. Leva 33 passageiros, 7 tripulantes e 4 sequestradores.
8h46 — O AA11 atinge a Torre Norte do World Trade Center, entre os andares 93 e 99. Ninguém a bordo sobrevive. Milhares ficam presos acima do impacto. Nova York encara, ainda sem entender, o primeiro choque.
8h50-8h55 — A Casa Branca começa a receber os primeiros informes fragmentados. Em poucos minutos, a hipótese de “acidente” perde força entre autoridades.
9h03 — O United Airlines 175 (Boeing 767), também saído de Boston, acerta a Torre Sul entre os andares 77 e 85. O país entende: não foi acaso; é ataque coordenado. A cena é transmitida ao vivo.
9h05 — Em uma escola em Sarasota, Flórida, o chefe de gabinete Andrew Card diz ao presidente Bush: “Um segundo avião atingiu a segunda torre. A América está sob ataque”. Ao mesmo tempo, a passageira Barbara Olson liga do American Airlines 77 e relata a tomada do avião ao marido, o procurador-geral Ted Olson.
9h15-9h20 — Hospitais ativam planos de catástrofe em Nova York; bombeiros e policiais correm para o WTC. Mais de 200 unidades do Corpo de Bombeiros acabam deslocadas para a área.
9h28 — O United 93 sofre invasão do cockpit. Controladores em Cleveland ouvem sons de luta. O avião mergulha brevemente antes de o piloto automático estabilizar.
9h29 — Bush faz a primeira declaração pública: “Tivemos uma tragédia nacional”. Ele anuncia que retornará a Washington, algo que será reavaliado minutos depois por razões de segurança.
9h36 — O Serviço Secreto leva o vice-presidente Dick Cheney para o bunker subterrâneo sob a Casa Branca. O aparato federal começa a dispersar lideranças por locais seguros.
9h37 — O American Airlines 77 (Boeing 757), vindo de Dulles com destino a Los Angeles, colide com o Pentágono a alta velocidade. Morrem 59 a bordo e 125 no prédio.
9h41 — Transponder do United 93 é desligado, dificultando o rastreamento pelo radar secundário.
9h42 — A FAA ordena o fechamento total do espaço aéreo americano. É a primeira vez que todos os voos civis são obrigados a pousar imediatamente. Mais de 4,5 mil aeronaves recebem instruções.
9h45 — Evacuação da Casa Branca e do Capitólio. A ameaça de um novo alvo em Washington é tratada como plausível.
9h55 — O Air Force One decola da Flórida com o presidente. Por recomendação de segurança, o plano de retorno direto à capital é suspenso; a aeronave segue para bases militares.
9h57 — Passageiros do United 93 votam por reagir. Usando carrinhos de serviço e o que têm às mãos, avançam contra os sequestradores, tentando romper a porta do cockpit.
9h59 — A Torre Sul colapsa em cerca de 10 segundos, após 56 minutos em chamas. A nuvem de poeira toma o sul de Manhattan. Àquela altura, centenas de bombeiros estavam dentro do complexo tentando alcançar andares altos.
10h00 — O comando dos bombeiros ordena evacuação total da Torre Norte. Problemas de comunicação fazem com que parte da mensagem não chegue a todos.
10h03 — O United 93 cai em um campo próximo a Shanksville, na Pensilvânia. Todos os 40 a bordo morrem. As ligações feitas de dentro do avião e as gravações da cabine mostram que a reação dos passageiros impediu que o alvo — o Capitólio ou a Casa Branca — fosse atingido.
10h28 — A Torre Norte desaba após 102 minutos de incêndio. O complexo do WTC vira ruína, com incêndios secundários e estruturas parcialmente colapsadas.
Mais tarde, às 17h20, o Edifício 7 do WTC, que não foi atingido por aeronave, cede após horas de fogo alimentado por destroços e combustível. Relatórios técnicos do NIST, publicados anos depois, detalham falhas estruturais agravadas pelo incêndio como causas do colapso das três torres.
No fim do dia, a dimensão humana fica mais clara. O número de mortos fecha em 2.977 vítimas (excluídos os sequestradores): 2.753 em Nova York, 184 no Pentágono e 40 no voo 93. Entre elas, 343 bombeiros do FDNY, 23 policiais do NYPD e 37 do Departamento de Polícia da Autoridade Portuária. Nos quatro aviões, 246 pessoas morreram. A maioria das vítimas em Manhattan ficou presa acima das zonas de impacto.
Houve sobrevivências quase impossíveis. Seis homens escaparam do elevador expresso 69-A na Torre Norte depois que o cabo travou na altura do 50º andar no primeiro impacto. Sem saída no pavimento, o limpador de vidros Jan Demczur usou o rodo para raspar o drywall do poço até abrir uma passagem. Eles desceram com ajuda de bombeiros e deixaram o prédio minutos antes do colapso.
O 11/9 detonou uma cadeia de decisões que moldou o século. Em 12 de setembro, a Otan acionou pela primeira vez o Artigo 5, o pacto de defesa coletiva. Em 7 de outubro, começou a guerra no Afeganistão contra o regime do Talibã, que abrigava a Al-Qaeda. A caçada a Osama bin Laden durou quase uma década; ele foi morto no Paquistão em 2011 por forças especiais americanas.
Dentro dos EUA, o Congresso aprovou o USA Patriot Act em outubro de 2001, ampliando poderes de investigação e vigilância. Em 2002, nasceu o Departamento de Segurança Interna (DHS), que absorveu 22 agências. A TSA assumiu os aeroportos, que ganharam detectores mais rígidos, listas de observação e portas de cockpit reforçadas. O número de federal air marshals aumentou e treinamentos para tripulações mudaram a lógica de resposta a sequestros.
A guerra do Iraque, lançada em 2003, foi vendida sob a ameaça de armas de destruição em massa e insinuações de vínculo com a Al-Qaeda que nunca se confirmaram. O tema virou ferida política e dividiu aliados. Em 2004, a Comissão do 11 de Setembro publicou um relatório com 567 páginas, apontando falhas de coordenação entre CIA, FBI e FAA e recomendando reformas na arquitetura de segurança. O órgão descreveu o ataque como “uma oportunidade explorada por inimigos que viram fissuras no sistema”.
Na saúde, a conta segue chegando. Milhares de bombeiros, policiais e moradores de Manhattan desenvolveram doenças respiratórias e diversos tipos de câncer ligados à poeira tóxica do Ground Zero. O Zadroga Act criou e depois tornou permanente o fundo de compensação e o programa de saúde para vítimas e socorristas. Várias prorrogações vieram após pressão pública e testemunhos de sobreviventes no Congresso.
As indenizações às famílias foram tocadas pelo Victim Compensation Fund, que pagou bilhões de dólares a quem perdeu parentes ou ficou ferido. Muitos aceitaram os acordos para evitar processos longos; outros questionaram critérios e valores. Em paralelo, o governo criou um fundo para empresas afetadas, como companhias aéreas e seguradoras, para amortecer o choque econômico.
Em termos de inteligência, houve reestruturações profundas: a criação do diretor nacional de Inteligência para coordenar as 17 agências, mudanças no FISA Court e expansão de programas de coleta de dados — depois expostos e contestados no debate público por vazamentos anos mais tarde. Na aviação, cartas de voo mudaram, facas e objetos perfurantes foram banidos, e o padrão de triagem se tornou mais intrusivo. A restrição a líquidos viria em 2006, após um complô no Reino Unido, mas encontrou um ambiente já transformado por 2001.
No campo jurídico e de direitos humanos, o período abriu debates duros: detenções em Guantánamo, interrogatórios coercitivos e voos secretos da CIA viraram alvo de críticas e investigações. Diversos relatórios do Senado e decisões judiciais limitaram práticas e exigiram maior transparência, mas a discussão sobre até onde um país pode ir em nome da segurança não se encerrou.
A memória do 11/9 se espalha por monumentos e rituais. No Marco Zero, em Nova York, as duas piscinas negras com os nomes das vítimas marcam a ausência. O One World Trade Center reergue a silhueta do sul de Manhattan. Em Washington, o memorial do Pentágono acompanha o traço do voo AA77. Na Pensilvânia, o Flight 93 National Memorial segue a curva do campo onde o avião caiu. Todo 11 de setembro, o Tribute in Light projeta duas colunas de luz no céu de Manhattan.
O impacto econômico foi imediato: bolsas fecharam, o espaço aéreo ficou parado, cadeias de seguro e resseguro recalcularam riscos, e a economia regional penou por meses. A longo prazo, empresas redesenharam planos de continuidade, governos reforçaram proteção de infraestrutura crítica e a cultura corporativa passou a levar a sério exercícios de crise, comunicação de emergência e redundância tecnológica.
Investigações técnicas desmistificaram ideias falsas. O NIST, em relatórios de 2005 e 2008, explicou os colapsos pelo dano estrutural inicial e pelo efeito do fogo, que enfraqueceu vigas e conexões até o ponto de falha progressiva. O caso do Edifício 7 recebeu relatório dedicado. Conspirações persistem on-line, mas a base científica dos laudos é ampla e auditada por pares.
Vinte e poucos anos depois, a cronologia daquele dia ainda arrepia. Não só pelas imagens, mas pelo que elas desencadearam: uma reconfiguração da diplomacia, da segurança e da vida cotidiana. A geração que cresceu passando por detectores no aeroporto e vendo alertas de ameaça coloridos herdou um mundo mais desconfiado e mais vigilante. E ainda lida com perguntas sem resposta fácil: como equilibrar liberdade e proteção? Como encerrar uma “guerra ao terror” sem fronteiras claras? Como cuidar — de verdade — de quem respirou a poeira e de quem carrega as ausências?