Quando Lucas Martins, repórter da Band, tentou avançar entre a família das vítimas na madrugada de 12 de setembro, foi barrado por Grace Abdou, correspondente da Record. O embate, captado ao vivo, virou assunto nas redes em menos de duas horas, revelando a tensão que costuma roçar nas coberturas policiais brasileiras.
Na mesma noite, duas adolescentes foram oficialmente registradas como desaparecidas pelas autoridades de Alumínio, interior de São Paulo. Layla, de 16 anos, e Sofia, de 13, foram vistas pela última vez por amigos próximos enquanto caminhavam pela rua principal da cidade. O caso ganhou destaque nacional depois que a Polícia Civil recebeu um alerta de fuga de menores em 10 de setembro.
Até o momento, as buscas envolveram mais de 150 voluntários, 12 viaturas da polícia militar e duas equipes de resgate da Polícia Civil. Até 14 de setembro, ainda não havia pistas definitivas, embora um suspeito tenha sido detido por porte de arma em um bar da região.
Durante a cobertura, Lucas se aproximou de uma jovem que segurava uma foto impressa supostamente das meninas e, ao perceber a presença de Grace no mesmo ângulo, tentou mudar de posição. "Pode mostrar a foto, por favor?", disse ele, visivelmente nervoso.
Grace, sem dar abaixa‑rabo, respondeu: "Peraí", enquanto mantinha o bloqueio. O clima esquentou. "Não, dá licença, Grace, tá louca? Mostra a foto pra gente", replicou Lucas, já com a adrenalina à flor da pele.
Em um instante que pareceu um filme de suspense, Lucas puxou o braço de Grace com força considerável. "Por que você me empurrou?", exigiu ela, enquanto a câmera ainda transmitia a situação. "Porque você está entrando na minha frente propositalmente e não foi a primeira vez que isso acontece", respondeu Lucas, confirmando que o atrito já existia em coberturas anteriores.
Os clipes, que rapidamente inundaram o Instagram e o TikTok, mostraram o repórter da Band segurando o braço da colega da Record por quase cinco segundos antes de ser interrompido por um diretor que pediu calmaria. O áudio do microfone ao vivo capturou o silêncio constrangedor que se seguiu – um silêncio que valeu mil comentários nas redes sociais.
Em menos de 24 horas, o vídeo alcançou mais de 3,2 milhões de visualizações no YouTube e gerou mais de 150 mil comentários. O público dividiu-se entre quem defendia a postura agressiva de Lucas – argumentando que "a imprensa tem que ser incisiva" – e quem condenava a atitude, alegando que "não há desculpa para empurrar alguém em um momento tão delicado".
Especialistas em comunicação, como a professora de jornalismo da Universidade de São Paulo, Ana Lúcia Gama, pontuaram que o incidente evidencia a "cultura da corrida por exclusividade" que muitas vezes supera a ética de respeito ao luto das famílias. "A competição entre emissoras pode transformar situações de vulnerabilidade em palco de rivalidade", disse Gama em entrevista ao portal da USP.
Já o Conselho Nacional de Jornalismo (CNJ) emitiu um comunicado pedindo que as redes de TV revejam seus protocolos de cobertura ao vivo de casos envolvendo menores desaparecidos. "É imprescindível garantir a dignidade das vítimas e o direito à privacidade das famílias", alertou o órgão.
Este não foi o primeiro desentendimento entre a Band e a Record. Em 2022, durante a cobertura do incêndio na floresta de Juína (MT), os repórteres das duas casas tiveram troca de farpas sobre quem detinha a melhor entrevista com o governador. Na ocasião, a disputa acabou em off‑air e só chegou ao público por meio de relatos internos.
O novo conflito, entretanto, ganhou vida própria porque foi transmitido ao vivo, expondo ao público toda a tensão que normalmente fica nos bastidores. Analistas de mídia apontam que a rivalidade vem se intensificando desde a consolidação dos “canais 24h” de notícias, onde cada minuto conta para a audiência.
De acordo com dados da Kantar Ibope, a Band registrou um aumento de 5,3% na audiência no horário da transmissão, enquanto a Record teve queda de 2,1%. Esse cenário mostra que, embora a disputa gere atritos, também pode trazer picos de audiência que alimentam o ciclo de competitividade.
Enquanto isso, familiares de Layla e Sofia continuam a aguardar notícias, e a comunidade de Alumínio organizou um ato de solidariedade no centro da cidade, com velas e cartazes pedindo o retorno das meninas.
O episódio serve como lembrança de que a busca pela manchete não pode sobrepor o respeito humano. Seja na Band ou na Record, jornalistas precisam equilibrar a pressão por exclusividade com a responsabilidade ética que a profissão exige.
A Band registrou um aumento de 5,3% na audiência naquele horário, enquanto a Record sofreu queda de 2,1%. O pico de audiência da Band foi impulsionado pela curiosidade do público diante do imprevisto ao vivo.
As mães de Layla e Sofia expressaram tristeza e frustração, pedindo que a cobertura se concentre na busca pelas meninas e não em disputas entre jornalistas. Elas participaram do ato de solidariedade em Alumínio, buscando apoio da comunidade.
O CNJ sugeriu a criação de diretrizes que proíbam o uso de força física entre profissionais e que priorizem a privacidade das vítimas, especialmente menores desaparecidos. Também recomenda pausas nas transmissões ao vivo quando houver risco de violar a dignidade das famílias.
Até o momento, a polícia de Alumínio revisou imagens de câmeras de segurança locais e identificou um suspeito que será interrogado. As buscas continuam com apoio de voluntários e equipes técnicas, mas nenhuma pista definitiva foi divulgada.
Tanto a Band quanto a Record anunciaram comissões internas para investigar a conduta de Lucas Martins e Grace Abdou. As emissoras afirmam que haverá treinamento reforçado sobre ética em coberturas ao vivo e que incidentes semelhantes serão evitados.
Jéssica Soares
outubro 6, 2025 AT 04:20Até onde a competitividade de duas TVs pode machucar quem realmente precisa?