Riscos do autocuidado exagerado em crianças preocupam especialistas em saúde mental

Como o autocuidado virou obsessão precoce

Bastou a última moda das redes sociais chegar ao feed das crianças: uma rotina de skincare cheia de etapas, promovida como se fora segredo para uma vida perfeita. Parece inofensivo, até saudável, mas especialistas enxergam outro lado. Psicólogos como João Vítor de Pádua têm sido chamados por pais preocupados com o excesso de tempo e energia que crianças e pré-adolescentes vêm dedicando aos cuidados estéticos, principalmente influenciados por vídeos tutoriais e desafios de beleza espalhados pelas plataformas digitais.

Esse interesse, que crescia devagar, ganhou força depois da pandemia. Com escolas fechadas e interação presencial quase nula, as telas se consolidaram como principal ponte para amizade, lazer e referência de comportamento. O problema? O conteúdo aparece quase sempre editado e filtrado, vendendo um padrão de beleza difícil — ou até impossível — de alcançar. Isso desencadeou uma corrida pelo autocuidado infantil cada vez mais elaborado e rígido, numa fase em que a construção da autoestima está apenas começando.

O impacto na autoestima e na saúde mental

O que parece só uma vaidade inocente esconde riscos bem reais. Crianças e adolescentes nesse estágio estão formando identidade, buscando pertencimento e validando sentimentos por meio do olhar do outro. Se a régua principal vira a aparência, a autoestima pode ser despedaçada facilmente por comparações feitas diante do espelho — ou pior, do celular. Para João Vítor de Pádua, é nesse ambiente de vulnerabilidade que as práticas exageradas de autocuidado se tornam armadilha: "Quando o valor próprio depende do visual, as frustrações surgem rápido e profundas," resume o psicólogo.

Além disso, a pressão para seguir etapas intermináveis de rotinas — muitas vezes caras ou inadequadas para a faixa etária — pode provocar ansiedade, insatisfação corporal e até sintomas depressivos. Não é raro encontrar relatos de meninas de nove ou dez anos preocupadas com rugas, manchas ou pequenos defeitos que só perceberam porque viram alguém apontar na internet.

  • Orientação é chave: De Pádua recomenda conversas francas com os jovens sobre o que veem online, destacando que redes sociais mostram apenas recortes e versões editadas da realidade.
  • Valorizando talentos: Pais e educadores devem incentivar a construção da autoestima baseada em conquistas, habilidades e qualidades individuais — não só pela aparência.
  • Consciência crítica: É saudável ensinar crianças a identificar publicidade disfarçada, filtros e o impacto de comparações irreais.

Esse movimento de alerta à saúde mental já ganha espaço em consultórios, escolas e rodas de conversa familiar. O objetivo não é demonizar o autocuidado, mas devolver o equilíbrio: cuidar da pele pode ser legal, desde que não consuma o que crianças têm de mais precioso — a espontaneidade de serem quem são, longe da ditadura dos filtros digitais.